Similar ao trabalho 2112 (lançado em 1976) Hemispheres contem uma música épica de longa duração, ocupando todo um lado do disco (a Cygnus X-1 Book II: Hemispheres, uma "space opera" obrigatória que, a exemplo de 2112, também é divida em capítulos) e um segundo lado com algumas músicas mais convencionalmente executadas (Circunstances, The Trees e La Villa Strangiato).
A banda está em ótima forma.
O Rush é, como sempre, um trio que vale por uma orquestra e nesse disco não é diferente.
Todo disco é tão bem instrumentalmente elaborado e preenchido que você até se esquece que são apenas 3 pessoas fazendo tudo. Temos Geddy Lee atacando nos baixos, no Mini Moog e no sintetizador polifônico, além dos vocais. Temos Alex Lifeson nas guitarras, violões de 6 e 12 cordas, no violão de Nylon, na guitarra sintetizadora. E, finalmente, Neil Peart, como sempre, na bateria e também nos sinos de orquestra, sinos, tímpanos, gongo, cow-bells, blocks, carrilhão e crótalos, além da composição das letras, que são, mais uma vez, geniais.
Por falar em letras elas continuam seguindo a linha desenvolvida desde o segundo álbum, Fly By Night. Em Hemispheres Neil Peart continua usando o imaginário de fantasia e ficção científica.
A primeira música, Cygnus X-1 Book II: Hemispheres, é a segunda parte da composição Book I: The Voyage presente no disco A Farewell to Kings (1977).
Trata-se de uma ficção espacial, filosófica e mística sobre uma galáxia distante chamada Cygnus.
Cygnus X-1 é um misterioso buraco negro dessa galáxia.
Um explorador a bordo de uma nave chamada Rocinante é aspirado pelo buraco negro e vai parar em outra dimensão. Aqui cabe lembrar que Rocinante é o mesmo nome do cavalo de Dom Quixote de La Mancha, com certeza há uma premeditada escolha simbólica nesse nome.
Quanto mais o nosso explorador adentra ao buraco negro mais difícil fica de controlar a nave, até que ela é puxada com tudo pela força gravitacional e desaparece. Suas últimas palavras são:
"Sound and fury drown my heart/Every nerve is torn apart."
Aqui termina o Book I.
O Book II o explorador entra novamente na história, emergindo no Olimpo, numa outra dimensão, onde ele testemunha os deuses Apolo e Dionísio na guerra entre mente e coração.
Apolo é o líder das pessoas emocionais e o de Dionísio das pessoas emocionais.
Enquanto Apolo mostra às pessoas como construir cidades e explorar as profundezas da ciência e do conhecimento Dionísio atrai as pessoas para as florestas selvagens e os ensina a linguagem do sexo, da paixão e do amor.
Um poderia completar o outro mas ambos se encontram em luta constante.
A capa do disco temos a sugestão dessa história.
Vemos dois homens, um impecavelmente vestido (representando Apolo) e outro nu (representando Dionísio). Ambos estão em cima de um cérebro, Dionísio no lado esquerdo e Apolo no lado direito, representando, respectivamente, o lado emocional e o lado racional.
A música seguinte, "Circunstances", é a mais acessível do disco. Neil Peart narra aqui agruras e desilusões vividas na Inglaterra. Afinal, ele também tem alma.
The Trees é uma música fantástica, uma espécie de fábula surrealista sobre a briga entre árvores em uma floresta.
A última música, La Villa Strangiato, é uma ambiciosa peça instrumental de nove minutos e meio, cheia de improvisações. Certamente uma das melhores músicas da banda.
Hemispheres obviamente teve uma boa recepção da crítica e é colocado na categoria de clássico por muitos especialistas da área. Não apenas sucesso de crítica mas de público, nos Estados Unidos a banda recebeu o quarto disco de ouro consecutivo por conta do lançamento desse disco.
Críticos como Greg Prato (da Allmusic), Brendan Schoer (da Sputnik Music) e Michael Bloom (da Rolling Stones) rasgam elogios. Greg diz que o disco representa algo intermediário entre os anos 70 (2112) com a fase que marca o início dos anos 80 (Permanent Waves e Moving Pictures).
Michael Bloom expande e aprofunda essa mesma análise, enfatizando a importância de discos como esse na formação do que mais tarde conheceríamos como Metal Progressivo.
O crítico Brendam Schoer diz que Hemispheres é ótimo, porém menos acessível do que seus predecessores.
A opinião dos críticos é a mesma minha. Trata-se de um disco excelente, muito bem instrumentalizado, com ótimos temas e um estilo intermediário entre a fase setentista e oitentista da banda. Um clássico, sem sombra de dúvida.
Ouça o disco aqui: